Pecuaristas têm até 2028 para aderir voluntariamente ao programa do governo
Os pecuaristas holandeses terão até 2028 para aderirem ao programa do governo que pretende estatizar fazendas. Para atingir as metas climáticas, a ideia é que pequenos e médios produtores de gado de corte e leite, suínos e aves se voluntariem para ter suas propriedades fechadas. A proposta faz parte do Acordo Verde Europeu e foi aprovada no início de maio. No total, o governo deve disponibilizar 1,4 bilhão de euros para compensar as perdas desses pecuaristas. Confira a análise do coordenador do laboratório de bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Daniel Vargas, sobre o tema.
Como você avalia esse plano do governo holandês de fechar fazendas?
Mas é importante entender que no meio desse processo algo muito significativo aconteceu. Houve a eleição para o Senado holandês, que tem muitos poderes no país. Um partido novo foi criado, que tem como bandeira a defesa dos interesses dos produtores rurais da Holanda contra o avanço de políticas muitas vezes pouco cautelosas ou talvez pouco flexíveis de ambição ambiental. E contra essas políticas agora o governo holandês terá que negociar com o partido que se tornou o maior partido do Senado holandês. Então a figura, digamos assim, mudou um pouco nos últimos meses e certamente terão novos capítulos dessa história.
Com essa eleição no Senado e a representação de agricultores holandeses, esse plano do governo de estatizar fazendas na Holanda pode não avançar?
Eu acho que existe uma possibilidade real de que isso não avance. O que nós temos visto na Holanda e também em outras partes do continente europeu é que a cada passo de acusação ou de ataque radical contra a produção de alimentos como se ela fosse um problema em si, reações e respostas mais contundentes surgem no sentido contrário. E a última dessas reações foi de fato uma sinalização muito forte do grupo de produtores de alimentos de que essa agenda ambiental que chega como um atropelo e sem reconhecer as realidades culturais locais, as exigências e as demandas de produção de alimentos, a história de sucesso econômico no caso da Holanda, que é um país que tem hoje, muito embora um território pequeno, é o segundo maior exportador de alimentos do mundo, essa tendência de chegar com tudo sem reconhecer, negociar e transigir me parece que não terá uma vida fácil nos próximos meses nem na Holanda e cada vez menos em outros países da Europa.
Essa agenda verde para limitar a emissão de gases está mirando vários setores da economia ou principalmente a produção agropecuária?
No papel, é uma transição de um continente que envolve mudanças do setor de energia, que envolve mudanças do setor de transporte e também no setor de alimentos ou no uso da terra. Na prática, nós sabemos que essa história ela encontra e identifica adversários predominantes em alguns ciclos diferentes da história. Começou com setor de energia, mas na Europa logo encontrou obstáculos dado a sua dependência da importação de gases da Rússia, dadas as dificuldades de inovação no setor de petróleo. Depois migrou para o setor de transportes e agora o continente também reconhece que a limitações ali, a começar por desafio no combate na competição com a China, com os Estados Unidos a dificuldade de ter minérios para construção de baterias. E agora chega ao setor de alimentos com imensa força, é a bola da vez, digamos assim. Mas, assim como nos demais setores, a tendência é que as reações e as resistências surjam e nós não sabemos exatamente como essa equação vai ser administrada e concluída por eles.
Você vê esse movimento como um pêndulo, em que essa agenda verde foi para um lado e está se movendo para encontrar um novo ponto de equilíbrio? Que sinais essa ação da Holanda com planos de estatizar fazenda nos dá?
Eu não diria isso com um tom otimista neste momento. O que eu acho que acontece é um gradual reconhecimento social de que a transição verde não é apenas um movimento científico, um movimento moral, mas é uma escolha econômica e política que países fazem segundo a sua realidade. E portanto, não é um regime de uma resposta universal que existe uma solução pronta e acabada, uma “bala de prata”. Existem escolhas, que em última análise são feitas por países conforme a sua realidade. E essas escolhas inevitavelmente passam pela política, há um trade-off em que há de um lado uma decisão de gerar um conjunto de soluções que podem beneficiar alguns grupos e prejudicar a outros.
Neste momento, o grupo que de alguma maneira está sendo selecionado para ‘pagar o preço da transição’ é o grupo de produção de alimentos. O que nós também sabemos, e a história tem nos mostrado, é que sempre quando se identifica um alvo, esse alvo não vai aceitar tomar não de maneira pacífica, reagirá e essas reações virão como nós estamos assistindo agora na política holandesa.
Essa ideia da Holanda pode ‘virar moda’ e ser copiada por outros países no mundo? Como fica o Brasil diante desse contexto?
Se nós déssemos um passo para trás, há 10, 15 anos e imaginássemos que alguém diria que aconteceria na Europa, especialmente na Holanda, o Vale do Silício da produção de alimentos, uma proposta de ‘socialização’ da propriedade para desapropriar pessoas que produzem com alta tecnologia e intensidade de produção, as pessoas imaginariam que isso era um filme de ficção científica ou uma comédia. Hoje está se tornando realidade.
Por um lado há preocupação porque nós sabemos que o Brasil é sim uma espécie de copiador da moda internacional, tem sido assim ao longo dos últimos anos na agenda ambiental. A gente importa padrões, a gente importa conceitos e a gente importa alvos sem reconhecer as particularidades e os méritos da nossa produção. Então por um lado isso me preocupa muito porque eu não duvidaria que tendências análogas chegassem ao Brasil ou a outros países. E é por isso que eu creio que é muito importante que o país, que as lideranças brasileiras, que a ciência brasileira se mobilize para mostrar as particularidades da nossa realidade. Agora, há um segundo elemento dessa história. Eu creio que a maneira como cada país conduzirá a sua transição deve ser uma decisão soberana de cada país segundo as suas realidades. Se os holandeses, que me perdoem, se eles querem seguir nessa direção, muito boa sorte para eles, eu acho que o Brasil não deve seguir essa tendência. Nós temos uma outra realidade, temos outros problemas e temos um agro com a capacidade produtiva de sustentabilidade que é hoje incomparável no planeta.